Vivemos numa cultura pós-moderna onde a verdade foi relativizada. A verdade depende do contexto, da interpretação. A verdade tornou-se um valor com caráter histórico, condicionado às normas e convenções sociais. A verdade, diz-se, é relativa; o que é verdadeiro para mim, pode não ser para você. Pensa-se na verdade como uma experiência subjetiva.
Até mesmo as verdades científicas têm prazo de validade. Uma verdade com carimbo e selo de aprovação da comunidade científica, hoje, pode ser desacreditada por experimentos futuros. Nem as verdades cientificas são incontestáveis e absolutas.
Diante desta multiplicidade de verdades, que hoje são e amanhã podem não ser mais, somos levados a desacreditar no valor da verdade e na existência de uma verdade última e anterior a toda verdade. Vivemos numa cultura do instantâneo, do efêmero, do descartável. A ideia de uma verdade permanente, imutável, absoluta nos é estranha, incompreensível, impensável.
Por isso, o cristianismo tornou-se, atualmente, contracultural. No cerne do cristianismo está a crença de que “Jesus Cristo é a Verdade”. Essa afirmação é incompreensível e, de fato, inaceitável na cultura pós-moderna em que estamos imersos, na cultura em que habitamos, vivemos, consumimos e respiramos. Como assim? Que Verdade é essa? Que “tipo” de verdade? Mais uma verdade entre tantas outras?
Jesus não disse apenas que “o que eu ensino é verdadeiro, o que eu faço é verdadeiro, o meu caminho conduz à compreensão da verdade”. Ele disse algo que é incompreensível se escutado apenas na superfície: que ele é a verdade, que o seu próprio ser é a verdade em si mesma. Ele não é apenas a expressão da verdade, não é apenas que ele comunica, verbaliza, revela, mostra a verdade. A verdade é ele, a pessoa dele, o ser dele. Existe algo mais incompreensível que isto? Que tipo de afirmação é essa? Como compreendê-la?
A verdade a que Jesus se refere não é do mesmo “tipo” de verdade a que nos referimos quando dizemos que “tal fato é verdadeiro”, que “tal afirmação é verdade”. Ele não se refere à verdade enquanto adjetivo, como qualidade, mas como substantivo, como realidade.
Para compreender o significado dessa afirmação de Jesus, é preciso dilatar o coração, ampliar o entendimento para ver além das aparências, pois o significado desta frase transcende o sentido cotidiano das palavras.
Os tratados de teologia e de exegese bíblica podem explicar os sentidos e significados da frase, mas, para realmente compreendê-la, é preciso ultrapassar o horizonte da razão e viver a experiência pessoal de buscar a Verdade e de encontrá-la.
Apesar de estarmos imersos nessa cultura e sociedade que nos diz a todo instante que tudo é relativo, quando escutamos nosso coração, ele nos diz que além dessas aparências de efemeridade, de transitoriedade e relativismo, existe uma dimensão, um nível, uma esfera em que a verdade será sempre verdade e o erro será sempre erro.
Nosso coração nos diz que a Verdade não é casual, não é uma convenção arbitrária, não é uma invenção humana. Quando silenciamos os ruídos do mundo e escutamos nosso coração, ele nos revela que tem sede e que somente a Verdade pode saciá-la.
A linguagem aqui se torna simbólica, poética, alegórica. Somente imagens, como da água viva que sacia a sede da alma podem dar conta de comunicar esta experiência. E é só aqui que podemos começar a vislumbrar o que significa a afirmação de Jesus de que “Eu sou a Verdade”.
Quando estamos com ele, não há mentira, não há erro. Quando ele está conosco, em nossos corações, tudo é pleno, tudo transborda de sentido.
A Verdade é Deus mesmo revelado à humanidade. A Verdade é a própria luz divina que se faz presente nos corações e na razão humana. A Verdade é o bem, é a paz, a vida plena, é a glória de Deus.
A Verdade é o que dá sentido a tudo, é a racionalidade e a inteligibilidade do universo, é o amor que tudo une, é o Espírito de Deus que tudo vivifica.
A pessoa de Jesus Cristo é a encarnação do Verbo de Deus, a encarnação da própria Verdade.
Quem o segue “não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,13). Quem o encontrou e o acolheu em seu coração não vive mais no erro, na ilusão e na mentira. O mal é a mentira, Deus é a verdade. No coração que ama como Jesus nos ama, não há mentira, não há maldade, não há erro.
Quem segue Jesus, conhece a Verdade.
E a Verdade nos faz livres.