Liberdade e Graça

A Verdade, aos olhos da mente racional, se revela paradoxal. As verdades do espírito não possuem uma lógica linear, simplista, como a lógica matemática, aristotélica, dualista: Se A é verdadeiro, então não-A é falso, isto é, uma afirmação e sua negação não podem ser ambas verdadeiras. No mundo natural, na realidade empírica, sujeita às leis naturais, este princípio se aplica e o universo funciona em equações matemáticas, onde a razão é simples, direta, sem contradições. Mas em nossa realidade espiritual, na esfera sobrenatural, a lógica humana é transcendida e se apresenta a nós em aparentes paradoxos, afirmações que se contradizem sendo ambas verdadeiras.

As verdades do Reino de Deus, de nossa salvação e de nossa santificação não podem ainda ser plenamente compreendidas enquanto usarmos a lógica simples, linear, da não-contradição. A razão divina, as verdades do Reino possuem outra lógica, inacessível ainda a nós, que transcende nossas mentes limitadas, obtusas. Entre as verdades da salvação que se revelam a nós em forma paradoxal está a verdade da graça e da liberdade, que são duas faces de uma mesma moeda, dois lados de uma só verdade: a de que Cristo veio habitar entre nós, morreu e ressuscitou para salvar a todos.

Somos todos salvos
pela graça do Pai que nos doou seu Filho por amor,
e pelo amor e obediência do Filho.

Somos todos santificados
pelo Espírito do amor do Cristo
derramado em nossos corações.

A graça é dom gratuito,
imerecido,
abundante, transbordante.
Deus se dá,
se doa a nós
incondicionalmente.

A graça é dada
como a luz do sol
que a todos ilumina,
que a todos alcança,
bons e maus,
justos e injustos.

Esse é um dos lados da moeda,
quando a viramos,
contemplamos a outra face,
na qual nos compreendemos como seres livres,
que podemos, diante da graça,
recusá-la;
que podemos,
diante da luz do sol,
escolher a escuridão,
escolher os abismos
onde a luz não alcança.

Temos a graça,
mas temos também a liberdade.

Deus se doa
e pede de nós
que o acolhamos.

Este é o paradoxo:
Deus todo-poderoso,
criador do céu e da terra
e de tudo o que existe,
que pode do nada criar o tudo,
que tem o poder de tudo gerar
e transformar e regenerar,
que tem o poder de dar a vida
e de tirá-la,
Deus escolhe dar a nós o poder de escolher
se o amamos ou o rejeitamos,
se obedecemos sua vontade
ou se seguimos nossa própria vontade.

A nossa liberdade é um paradoxo,
é um enigma,
um mistério.

Deus nos fez livres como Ele é livre.
Somos livres até para não amá-lo,
para rejeitar o seu amor,
para criarmos nossos próprios deuses,
para fazermos deuses à nossa própria imagem e semelhança,
para adorarmos a nós mesmos,
nossas conquistas,
nossos feitos,
para nos orgulhamos de nossa ignorância,
para nos vangloriarmos em nossa infelicidade,
para vivermos numa bolha
de irrealidade, de ilusões,
para criarmos nossa própria destruição.

Deus nos concede a liberdade
como graça
e, paradoxalmente,
a usamos para nossa própria desgraça.

Somos livres para buscar a Deus
ou para negá-lo.
No entanto, a graça nos alcança
mesmo quando o negamos.

A graça triunfa
sem destruir nossa liberdade.
A graça transborda
onde abunda o pecado.
Paradoxalmente,
Deus nos conduz em seus caminhos
sem tirar nossa liberdade.
Ele tece nossas vidas,
respeitando nossas opções, nossas escolhas.

Somos livres para comer o fruto
que nos faz invejosos de Deus
e arrogantes em nossa astúcia.

Mas a misericórdia de Deus sempre prevalece,
seu amor é maior que nosso orgulho,
mais forte que nosso egoísmo,
e voltaremos para Ele.
Mesmo que precisemos passar pelo vale tenebroso da morte,
experimentar a escuridão do abismo,
os suplícios do inferno
criados pelo nosso desamor.

A graça de Deus
virá nos resgatar,
virá em nosso auxílio
pois Cristo deu a sua vida,
o seu corpo e seu sangue
em sacrifício
pela salvação de todos.

As portas do inferno ele abriu
e a todos permitiu
a reconciliação com o Pai,
a remissão dos pecados,
a renovação da vida na ressurreição.
A graça veio para todos,
mesmo que não consigamos
compreender como se igualam
os dois lados dessa equação,
liberdade e graça,
como é que ambos possam ser verdade
sem se contradizerem.
É um mistério da fé
ainda incompreensível para nós,
mas que nos será plenamente revelado
quando nossa mente
se libertar do dualismo material
imanente à vida temporal.

Na glória do Cristo,
na morada do Pai,
sob a luz do Espírito,
os mistérios se desvanecem,
os paradoxos se esclarecem
e a Verdade se revelará a nós
em sua plenitude.

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